3. A poesia palaciana do Cancioneiro Geral

As origens

No período do Humanismo, a poesia foi realizada em Portugal, aproximadamente por volta de 1400 no período do Quatrocentismo que era denominada palaciana, pois era realizada na corte, pelos nobres para a nobreza, ou seja, era destinado para o entretenimento no Palácio.
Os contatos com a poesia de Dante e Petrarca na segunda metade do século XV fizeram com que houvesse o surgimento de novas formas de se escrever poesia.

O Cancioneiro Geral

Por a tipografia ser muito recente em Portugal, a poesia daquela época foi pega e guardada na corte de D. Afonso V.D. João II e D. Manuel, foi coligida por Garcia de Resende, e foi impresso no ano de 1516.
Colaborador e autor do Prólogo do Cancioneiro Geral reuniu a produção poética da corte, muitos que sabiam muito de poesia e outros que não sabiam muito.

Características

A poesia para ler: 

A poesia é separada da música, apesar de no Trovadorismo ela ser destinada ao canto, e que depender de um acompanhamento musical, na fase palaciana passar a se dedicar à leitura individual ou somente para a declamação.

Com isso o termo Trovador passa a ser designado como um artista de recursos poéticos, surgindo assim a “figura” do poeta que vemos atualmente que escreve somente para expressão dos sentimentos ou pelo simples fato de leitura. 

Os redondilhos e a medida velha

A parte métrica das cantigas é substituída pela utilização da medida velha e dos redondilhos, com duas medidas, vejamos:

1. Sete Sílabas poéticas (redondilhos maiores)
2. Cinco Sílabas poéticas (redondilhos menores) 

Por serem usadas como versos redondilhos que receberam a denominação de arte menor ou medida velha, que foi por oposição à medida nova, ou seja, versos decassílabos, sonetos e etc., que foram introduzidos em Portugal em 1527 por Sá de Miranda.

As composições de mote glosado

O que era comum nas cantigas foi que a estrutura Paralelística passou a ser substituída pela técnica do mote (tema, motivo) glosado (desenvolvido, ou poetado na glosa). Devem ser destacadas as seguintes modalidades poéticas do Cancioneiro geral:

O Vilancete: é composto por um mote de 2 ou 3 versos, seguido de glosa ou volta, pode conter uma ou mais estrofes com 7 versos.

A esparsa: expressava tristeza ou melancolia, é composta de 8 a 16 versos em somente uma estrofe, não tinha mote nem a repetição dos versos.

A cantiga: concentrava-se nos temas amorosos, tinha o mote de 4 ou 5 versos ou de uma glosa de 8 a 10 versos.

A trova: não era definido um tema para a trova, tinha de ter 4 versos, e 8 versos. Muito utilizadas tanto em poemas curtos como nos longos. 

Autores

• Garcia de Resende.

• João Ruiz de Castelo Branco.

• Nuno Pereira e Fernão da Silveira.

• Conde Vimioso e Aires Teles.

• Diogo Brandão.

• Gil Vicente.

Textos na medida velha.

Texto I – “Cantiga Sua Partindo-se”

Senhora partem tam tristes.
Meus olhos por vós, meu bem, (1).
Que nunca tam tristes vistes
Outros nenhuns por ninguém.

Tam tristes, tam saudosos,
Tam doentes da partida,
Tam cansados, tam chorosos,
Da morte mais desejosos
Cem mil vezes que da vida. (2)

Partem tam tristes os tristes,
Tam fora d’esperar bem,
Que nunca tam tristes vistes
Outros nenhuns por ninguém.

(João Ruiz de Castelo Branco) 

Texto II – “Trova à maneira antiga”

Comigo me desavim,
sou posto em todo perigo;
não posso viver comigo
nem posso fugir de mim. 

(…) 

Que meio espero ou que fim
do vão trabalho que sigo,
pois que trago a mim comigo,
tamanho inimigo de mim?
 

(Francisco de Sá Miranda)

Texto III –  “Menina dos Olhos verdes”

Menina dos olhos verdes,
por que me não vedes?
Voltas
Eles verdes são,
e têm por usança
na cor, esperança e
nas obras, não.
Vossa condição
não é d’olhos verdes,
porque me não vedes. 

(……………………..) 

Haviam de ser,
por que possa vê-los
que uns olhos tão belos
não se hão de esconder;
mas fazeis-me crer
que já não são verdes,
porque me não vedes.
Verdes não o são
no que alcanço deles;
verdes são aqueles
que esperança dão,
Se na condição está serem verdes
por que me não vedes?

Textos IV e V

Meu amor, tanto vos amo,
que meu desejo não ousa
desejar nenhuma cousa.

Porque, se a desejasse,
logo a esperaria;
e, se eu a esperasse,
sei que vos anojaria.
Mil vezes a morte chamo,
e meu desejo não ousa
desejar-me outra cousa.

(Conde Vimioso)

Meu amor tanto vos quero,
que deseja o coração
mil cousas contra a razão.

Porque, se vos não quisesse,
como poderia ter
desejo que me viesse
do que nunca pode ser?
Mas conquanto desespero,
e em mim tanta afeição,
que deseja o coração. 

(Aires Teles)

Textos VI e VII 

Entre mim mesmo e mim
não sei que se ergueu
que tão meu inimigo sou.

Uns tempos com grande engano
vivi eu mesmo comigo,
agora no maior perigo
se me descobre maior dano.
Caro custa um desengano,
embora este não me tenha matado
quão caro que me custou!

De mim me sou feito outro,
entre o cuidado e cuidado
está um mal derramado,
que por mal grande me veio.
Nova dor, novo receio
foi este que me tomou,
assim me tem, assim estou. 

(Bernardim Ribeiro).

Entre o sono e o sonho,
Entre mim e o que em mim
E o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim.

Passou por outras margens,
Diversas mais, além,
Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem.

Chegou onde eu habito
A casa que hoje sou
Passa e eu me medito;
Se desperto, passou.

E quem me sinto e morre
No que se liga a mim
Dorme onde o rio corre
Esse rio sem fim. 

(Fernando Pessoa).