A poesia moderna
Atravessa esta paisagem o meu sonho dum porto infinito
E a cor das flores é transparente de as velas de grandes navios
Que largam do cais arrastando nas águas por sombra
Os vultos ao sol daquelas árvores antigas…
O porto que sonho é sombrio e pálido
E esta paisagem é cheia de sol deste lado…
Mas no meu espírito o sol deste dia é porto sombrio
E os navios que saem do porto são estas árvores ao sol… Liberto em duplo abandonei-me da paisagem abaixo…
O vulto do cais é a estrada nítida e calma
Que se levanta e se ergue como um muro,
E os navios passam por dentro dos troncos das árvores
Com uma horizontalidade vertical,
E deixam cair amarras na água pelas folhas uma a uma dentro…
Não sei quem me sonho…
Súbito toda a água do mar do porto é transparente
E vejo no fundo, como uma estampa enorme que lá estivesse
desdobrada,
Esta paisagem toda, renque de árvore, estrada a arder em aquele
porto,
E a sombra duma nau mais antiga que o porto que passa
Entre o meu sonho do porto e o meu ver esta paisagem
E chega ao pé de mim, e entra por mim dentro,
E passa para o outro lado da minha alma…
(Fernando Pessoa, in Cancioneiro)
Se observarmos o poema acima iremos perceber, uma realidade interior que passa abstratamente a realidade perceptível através dos sentidos,ao materializar o desejo do porto sonhado, de forma que nos mostra a angustia do poeta ao procurar seu próprio ser no mundo.
A poesia moderna é considerada a mais difícil para o aluno e aos não iniciados nos seus mistérios. Essa poesia rompe a sintaxe, o encadeamento lógico, ela é alusiva, elíptica, seu ritmo é criado a cada momento e não possui limitações normativas.