As cantigas predominantes no Trovadorismo
Por Mariana Sousa
Uma das experiências literárias mais criativas da tradicional literatura portuguesa está no período conhecido como Trovadorismo, com suas famosas cantigas. É claro que a prosa teve seu auge, mas as particularidades da poesia trovadoresca também encantaram e muito. Um lirismo que a diferencia da poesia moderna e até parece antiquado para um leitor mais desatento ou superficial.
Por volta do século XI e XII, ao sul da França, em uma região conhecida como Provença, foram surgindo os primeiros trovadores. Eles realizavam seus jograis, junto com menestréis, e passaram a divulgá-los em vários países da Europa.
O termo trovador deriva de “trouver”, que por sua vez corresponde ao verbo “achar”. Sendo assim, os poetas encontravam os versos e faziam adequações às melodias, o que gerou as chamadas cantigas.
Resumo:
Divisões da lírica trovadoresca
A lírica trovadoresca foi dividida em três diferentes tipos de cantigas. Confira abaixo as características específicas.
Cantigas de amor: os trovadores expressam, de forma dolorosa, suas angústias nascidas nas relações amorosas. Aqueles amores não correspondidos são tratados com versos repetitivos. Não há vestígios de erotismo e o sentimento é transcendental. Há uma idealização do objeto de desejo.
Exemplo de lírica galego-portuguesa (de Bernardo de Bonaval):
“A dona que eu am’e tenho por Senhor
amostrade-me-a Deus, se vos en prazer for,
se non dade-me-a morte.
A que tenh’eu por lume d’estes olhos meus
e porque choran sempr(e) amostrade-me-a Deus,
se non dade-me-a morte.
Essa que Vós fezestes melhor parecer
de quantas sei, a Deus, fazede-me-a veer,
se non dade-me-a morte.
A Deus, que me-a fizestes mais amar,
mostrade-me-a algo possa con ela falar,
se non dade-me-a morte.”
Cantigas de amigo: o cantador mostra uma outra faceta das relações amorosas. A mulher amada surge de maneira ingênua, com traços de humildade. Ingênua, fala das desavenças no campo do amor e reclama do abandono. A natureza é uma companheira ou mesmo a própria fala consigo mesma. O ser amado está inatingível.
Exemplo (de D. Dinis)
“Ai flores, ai flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo!
ai Deus, e u é?
Ai flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado!
ai Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amigo,
aquel que mentiu do que pôs comigo!
ai Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amado,
aquel que mentiu do que mi há jurado!
ai Deus, e u é?”
Cantigas de escárnio: trata-se de uma sátira, com ironia e escárnio. Em um segundo momento, observamos também a cantiga de maldizer que também são críticas, mas com tons eróticos e diretos. Termos chulos são permitidos e também tem como público camadas mais populares.
Exemplo de cantigas João Garcia de Guilhade
“Ai dona fea! Foste-vos queixar
Que vos nunca louv’en meu trobar
Mais ora quero fazer un cantar
En que vos loarei toda via;
E vedes como vos quero loar:
Dona fea, velha e sandia!
Ai dona fea! Se Deus mi pardon!
E pois havedes tan gran coraçon
Que vos eu loe en esta razon,
Vos quero já loar toda via;
E vedes qual será a loaçon:
Dona fea, velha e sandia!
Dona fea, nunca vos eu loei
En meu trobar, pero muito trobei;
Mais ora já en bom cantar farei
En que vos loarei toda via;
E direi-vos como vos loarei:
Dona fea, velha e sandia!”
Musicadas, essas cantigas serviam não apenas de instrumento de propagação da língua, mas também de apelos aos sentimentos mais diversos daquele povo. É o momento em que a Literatura e a Música se encontravam e faziam uma grande festa para seus espectadores. E, claro, também acabavam por motivar a Dança.
De acordo com os especialistas, os principais trovadores desse período são: Paio Soares de Taveirós, João Soares Paiva, dom Dinis, João Garcia de Guilhade e Martim Codax.