Saint’Hilaire, era botânico e em suas viagens percorreu os seguintes estados: Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Goiás, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul. Conheceu as nascentes do Jequitinhonha e do São Francisco até Rio Claro. Viajou a cavalo ou no lombo de burro, por sertões geralmente de caminhos empoeirados e na maioria das vezes por picadas abertas a facão por seus acompanhantes, ainda que escravos. Só o estado de Minas Gerais visitou três vezes, pois se identificava com seus habitantes. Quando chegou a Goiás ficou 15 meses.
August, como os outros viajantes do começo do século passado, teve de vencer a escassez de alimentos civilizados, o cansaço e as privações, dormir em ranchos cobertos de palha, habituar-se a rede, transformar mala em cadeira e mesa para as suas anotações, perder o medo dos animais selvagens, suportar mosquitos e dividir a vigília com os demais companheiros de aventura. Para ele, por largos anos, não houve pátria, família ou amigos que falassem o seu idioma.
Era tratado de tenente-coronel pelos seus colaboradores, e ainda quando as circunstâncias da viagem eram difíceis, a ameaça de abandono era o primeiro argumento.
Não era difícil a Saint’Hilaire ser visto pelos sertanejos como médico, e por isso era muitas vezes forçado a ensinar remédios, afinal colher plantas era hábito apenas dos médicos e curandeiros, neste país desconhecido.
Apesar das muitas dificuldades, o botânico se via absolutamente seduzido pela riqueza vegetal, e desta sedução arrancava forças e coragem para seguir viajando.
Em 1818, havia dois anos que se encontrava de um lado a outro do país, quando lhe falaram das belezas e do inferno do Rio Doce. August, não teve dúvida, colocou-se em marcha na direção do inferno que o povo chamava de Rio Doce no Espírito Santo. Para o botânico o inferno revelara-se um paraíso e descreve: “o rio desliza majestosamente pela floresta das suas bordas”. Sentia-se humilhado diante da natureza austera e poderosa: “minha imaginação de algum modo amedronta-se, quando eu penso na floresta imensa, de todos os lados a cercar-me, se estende para o norte muito além do rio Grande, ocupa toda a parte oriental de Minas Gerais, cobre sem interrupção as províncias do Rio de Janeiro, Espirito Santo, São Paulo, Santa Catarina inteira, o norte e o ocidente do Rio Grande do Sul e segue para as Missões ao norte do Paraguai.
August, como os demais europeus, se horroriza com as queimadas da mata virgem e comenta: “Árvores gigantescas, incendiadas pelo pé, tombavam com fragor, quebrando outras, ainda não atingidas pelo fogo. Depois, sobre o chão em cinzas onde fora a mata virgem, os destroços dos galhos e dos troncos reduzidos a carvão. E tudo isso o sertanejo faz para colher alguns alqueires de milho, arriscando-se pela falta de precaução, a perder uma floresta, como se sem floresta fosse possível haver cultura. A gente simples, deslumbrada com a natureza e crente de nunca lhes faltar as suas dádivas, destroi a floresta como desperdiçavam o ouro extraído das minas.” August, como a maioria dos outros viajantes, aponta em sua obra os nossos erros, mas também dá conselhos para corrigi-los.
Nenhum dos viajantes que percorreram o Brasil mostrou-se como Saint’Hilaire tão capaz de observar seus diversos aspectos, geografia, estatística, agricultura, comércio, arte, vida religiosa, administrativa e judiciária, costumes, usos da gente civilizada e dos índios.
Sobre a nossa flora escreveu: “Plantas usuais do povo brasileiro e Flora do Brasil Meridional”. Sua obra ainda hoje e consultada e citada no ensino de botânica na Sorbone.
Toda a obra de August foi construída com a intenção de contar às futuras gerações como era a terra fecunda: “Cidades florescentes tomarão o lugar de cabanas miseráveis, onde apenas eu encontrei abrigo, e nesse porvir os seus habitantes hão de ver nos escritos dos viajantes não só como as cidades principiaram, mas também como nasceram os menores lugarejos. Tomadas de espanto as gentes saberão que onde ressoa o ruído dos martelos e das mais complicadas máquinas, só se ouvia outrora o coaxar de batráquios e o canto dos pássaros; onde imensas plantações cobrirem a terra, dantes cresciam árvores, admiráveis muitas delas inúteis pela abundância. Olhando regiões percorridas por locomotivas, talvez por veículos ainda mais possantes, os homens vão sorrir, ao ler que noutros tempos se considerava feliz quem durante um dia inteiro lograva avançar quadro ou cinco léguas.”
Saint’Hilaire volta para a França em 1822, depois de ter sido envenenado por mel de vespa. Com o sistema nervoso profundamente abalado, voltou para buscar alívio no sul da França. Sua primeira obra foi Viagem do Rio a Minas Gerais, publicada em 1830. Do litoral ao distrito Diamantino 1833, Do São Francisco e Goiás 1847 e de São Paulo a Santa Catarina 1851. August de Saint’Hilaire faleceu em 1853 aos 74 anos. Em 1887 foi publicado seu último livro que chama-se do Rio Grande do Sul a Cisplatina.