1. Descrição de pessoa
Na descrição de uma pessoa ou paisagem podemos reproduzir as particularidades físicas e psicológicas.
Os pormenores físicos são as características que referem-se aos sentidos: visão, tato, paladar, olfato e visão), que retratam os aspectos exteriores do ser como, os traços faciais, as partes do corpo, o jeito de falar, andar, e de se vestir.
Os pormenores psicológicos são as características que referem-se aos aspectos emocionais e mentais do ser: comportamento, qualidades, defeitos, personalidade, caráter, virtudes e preferências.
Descrição de Pessoa em verso
Todo poema pode ser descritivo, formado por uma linguagem subjetiva e/ou objetiva, enquadrando uma imagem imaginária ou real.
Retrato
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
– Em que espelho ficou perdida
a minha face?
(Cecília Meireles)
Este é um poema descritivo, pois produz o retrato do “eu” lírico. Os adjetivos revelam os estados interiores. Através da conotação o poema aproveita o sentido renovado das palavras, privilegiando a emoção, possibilitando assim observarmos o processo de mudança íntima do “eu” poético.
Descrição de pessoa em prosa
Veja na descrição abaixo a projeção dos dados psicológicos sobre os aspectos físicos:
Ela não era feia; amorenada, com os seus traços acanhados, o narizinho malfeito, mas galante, não muito baixa nem muito magra e a sua aparência de bondade passiva, de indolência de corpo, de idéia e de sentidos.
Em algumas descrições o aspecto psicológico é promovido pelos dados físicos. Geralmente, o observador instiga o leitor a perceber o interior do personagem, apenas pela utilização da descrição física.
Esse efeito é perfeitamente usado por Machado de Assis no trecho abaixo:
Chegando à rua, arrependi-me de ter saído. A baronesa era uma das pessoas que mais desconfiavam de nós. Cinqüenta e cinco anos, que pareciam quarenta, macia, risonha, vestígios de beleza, porte elegante e maneiras finas. Não falava muito nem sempre; possuía a grande arte de escutar os outros, espiando-os; reclinava-se então na cadeira, desembainhava um olhar afiado e comprido, e deixava-se estar. Os outros, não sabendo o que era, falavam, olhavam, gesticulavam, ao tempo em que ela olhava só, ora fixa, ora móbil, levando a astúcia ao ponto de olhar ás vezes para dentro de si, porque deixava cair as pálpebras; mas, como as pestanas eram rótulas, o olhar continuava o seu ofício, remexendo a alma e a vida dos outros.
(Machado de Assis)
Auto-retrato
Eu sou um menino maior que muitos e menor que outros. Na cabeça tenho cabelo que mamãe manda cortar muito mais do que eu gosto e, na boca, muitos dentes, que doem. Estou sempre maior que a roupa, por mais que a roupa do mês passado fosse muito grande. Só gosto de comer o que a mãe não me quer dar e ela só gosta de me dar o que eu detesto. Em matéria de brincadeiras as que eu gosto mais são as perversas, mas essa minha irmãzinha grita muito.
(Millôr Fernandes)
O autor usa a sua irreverência e humor para resgatar traços psicólogos e lingüísticos da criança. Utiliza a comicidade para retratar as noções de tamanho, que são muito importantes na infância: “Eu sou um menino maior que muitos e menor que outros.” O uso de redundância tipicamente primária: “Na cabeça tenho cabelo… na boca, muitos dentes, que doem”, descreve a visão de um observador infantil, cujas impressões físicas e subjetivas determinam-se pela comparação e pelo gosto.
Retrato Grosteco
Bocatorta
Bocatorta excedeu a toda pintura. A hediondez personificara-se nele, avultando, sobretudo, na monstruosa deformação da boca. Não tinha beiços, e as gengivas largas, violáceas, com raros tocos de dentes bestiais fincados as tontas, mostravam-se cruas, como enorme chaga viva. E torta, posta de viés na cara, num esgar diabólico, resumindo o que o feio pode compor de horripilante. Embora se lhe estampasse na boca o quanto fosse preciso para fazer aquela criatura a culminância da ascosidade, a natureza malvada fora além, dando-lhe pernas cambaias e uns pés deformados que nem remotamente lembrariam a forma de um pé humano. E os olhos vivíssimos, que pulavam das órbitas empapuçadas, veiados de sangue na esclerótica amarela. E pele grumosa, escamada de escaras cinzentas. Tudo nele quebrava o equilíbrio normal do corpo humano, como se a teratologia caprichasse em criar a sua obra-prima.
(Monteiro Lobato)
No texto acima, observamos que as características físicas da personagem fogem dos traços normais, e tais anomalias ultrapassam o possível, compondo o hediondo, que forma o retrato grotesco.
Caricatura
Cabelos Compridos
– Coitada da Das Dores, tão boazinha…
Das Dores é isso, só isso – boazinha. Não possui outra qualidade. É feia, é desengraçada, é inelegante, é magérrima, não tem seios, nem cadeiras, nem nenhuma rotindidade posterior; é pobre de bens e de espírito; e é filha daquela Joaquim da Venda, ilhéu de burrice ebúrnea – isto é, dura como o marfim. Moça que não tem por onde se lhe pegue fica sendo apenas isso – boazinha.
– Coita da Das Dores, tão bozinha…
Só tem uma coisa a mais que as outras – cabelo. A fita de sua trança toca-lhe a bainha da saia. Em compensação, suas idéias medem-se por frações de milímetros, tão curtinhas são. Cabelos compridos, idéias curtas – já dizia o Schopenhauer.
A natureza pôs-lhe na cabeça um tablóide homeopático de inteligência, um grânulo de memória, uma pitada de raciocínio – e plantou a cabeleira por cima. Essa mesquinhez por dentro. Por fora ornou-lhe a asa do nariz com um grão de ervilha, que ela modestamente denomina verruga, arrebitou-lhe as ventas, rasgou-lhe boca de dimensões comprometedoras e deu-lhe uns pés… Nossa senhora, que pés! E tantas outras pirraças lhe fez que ao vê-la todos dizem comiserados:
– Coitada da Das Dores, tão bozinha…
(Monteiro Lobato)
O humor debochado despontou da esdrúxula caracterização da personagem. A repetição do discurso direto (“— Coitada da Das Dores”) causa uma impressão generalizada que se revalida nas caracterizações particulares do observador: “É feia, é desengraçada, é inelegante, é magérrima (…)”.